Um ano fenomenal





365 dias, 365 noites, 5 horas e 40 e tal minutos. 
Verão, Outono, Primavera, Verão. 
Doze ciclos lunares e uns quantos eclipses. 

Um ciclo. 

A Terra completou uma volta ao Sol e eu trago-o agora também comigo. O meu Solinho.


Esta nossa última volta orbital testemunha o tamanho de uma ampla galáxia em emoções e desafios.  
A maternidade é um processo tão fenomenal como qualquer (outro) evento cósmico e estou tão grata por percorrê-lo com um Ser tão sereno e amoroso. Há um ano não nasceu apenas uma vida. Nasceu-me igualmente um mestre de ensinamentos e sabedoria. Nasceu uma mãe. Nasceu a Força.
Nesse dia, naquele preciso alinhamento planetário, naquele exacto momento universal, nasceu para mim o Amor. 

Nunca antes tinha eu privado assim com o Amor, filho. 


samhain


Passados alguns meses longe do carvão e das aguarelas, retomo agora alguns trabalhos.
Conto às dezenas, os desenhos teimosos que se acumulam por pastas, cadernos e bloquinhos e que estão por terminar.

 

Equinócio


O útero pulsa segundo o coração do peito, intuitivo como o farejar de um lobo em lua negra. Ecos de uma suave brisa na água.  O ribombar de um tambor por perto.
O berço de amora e marfim veste-se para o Outono com o cheiro do chá de romã e espera.
Respira o tempo.
As sementes amadurecidas não se esqueceram jamais de esperar a Primavera e as longas raízes das árvores permanecerão demoradas no odor fértil da terra.

ele quando fala dela

A minha última inspiração tem o nome de Herberto Helder e entrará num dos meus novos trabalhos.


Transbordas toda em sangue e nome, por motivos
de lua - os delírios da fêmea
e da sibila.
Fechada ao tacto, e por dentro devorada
pelo clarão dos centros.
As épocas extremas de glicínias em luz
pendida, uma colina
ao meio inebriado de maio, um quarto brilhando
no interior da casa.
E morres e ressuscitas e transmudas-te
em matéria
radial de escrita. Enquanto corres profundamente e procuras
onde és visível. Unida, preciosa
- de porcelana, mogno, seda.
Ao serviço de uma urgência na escola da palavra.
Uma desarrumação nova nos elementos da púrpura.
Quando os meus dedos te fazem num mistério de baptismo.
Que abala a terra a toda a atmosfera
inaugural, que abre e encharca e ilumina
- como se fosse
respiração e sangue e potência
planetária: criaturas, objectos,
as ordens nominais que os arrancam dos limbos.
Quando se tornam translúcidos na fornalha.
Quando com tanta luz se tornam
ocultos.

Herberto Helder em Última Ciência

energia eólica

Correr por uma ribeirinha e sentir a lama malandrosamente escapar-se aos nossos pés. Ouvir cucos, as árvores e as gaivotas
Espinafres, espinafres, espinafres. Couves roxas, couves portuguesas."Olha cebolas!"
Perder o Norte em vales de aldeias sobre o mar e acelerar, acelerar, acelerar .
Sentir, por fim, a majestosa presença dos moinhos gigantes que rasgam o som do campo em irrequietos uivos .


Um dia moraremos no campo.

pedra


(...)
Só esta para receber a claridade
com a atenção 
devida
a um ser vivo.


"Pedra", Gonçalo M.Tavares

[azul.por.aí]


Há uns meses alguém que sofre bastante com umas quantas alergias levou para sua casa dois gatinhos em aguarela da minha série "Cut Out Poetry": a gata Aurora , acompanhada por um verso de Manuel António Pina e o curioso gato de Sophia.  Estes já não lhe causam olhos vermelhos, falta de ar e vermelhões na pele e assim, esquecendo as alergias, enchem esta casa, com um pouco da alegria do gatos.

Obrigada a esse casal fantástico.

dias serenos


Finalmente oiço o som das gotas no telhado do logradouro. Tal como a minha respiração no silêncio, este gotear acalma-me.