mendiga

Morou, em tempos, nas mais ermas ruas desta cidade. Intempéries, fome, doenças. Trémula, a sem-abrigo permanecia obediente à intensidade da chuva, ao ribombar indiferente das noite ao frio. Dócil fragilidade desprotegida, demorou-se, grosseiramente, sob o extremo rigor das tempestades invernais.

Agarra-se agora à garganta inflamada, arranhada pelos contínuos gritos desse seu desamparo. Sentir-se-á refém do turbilhão que remoinha pela sua cabeça à força do vento bruto, outrora parede da sua casa na rua, ou antes cativa daqueles que, por desprezo, a sua pele golpearam até sangrar?

O sangue, expulso, mal coagulado, tem-lhe vindo a marcar, por vezes, a expressão dos olhos, fazendo-a cambalear quando se ergue pela manhã. Testemunhas dos maus-tratos, os hematomas da sua desprotecção brotam frequentemente sob o fino algodão da sua roupa. Despontam vivos, em tons púrpura, perante a recordação do seu mais brando abandono.

Memória recente, hipersensível. Acredito que retém ainda desses dias a mágoa de ter pedido, como por esmola, alguma atenção.


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