o homem que perdeu a Palavra

Conheci um homem que perdeu a Palavra, privei com ele em demorados serões e animados jantares. Na verdade, este homem é um tipo singular, não pelas melhores razões que a singularidade encerra, mas porque a sua insana incoerência assim o tornam, num homem singular.

Determinado dia, ao percorrer uma vereda sinuosa e acidentada, desequilibrou-se e estendeu o braço para se apoiar. Subitamente, ao abrir a mão, perdeu a sua Palavra. Na verdade, o Homem Sem Palavra sempre fora descuidado, não cerrando as mãos com a força necessária para a abrigar. Já a tinha perdido, inclusivamente, em diversas ocasiões, mas desta a perda fora irreparável.

Outrora dormira com a Palavra junto ao peito, segredava-lhe doces ternuras, estimava-a olhos nos olhos, acarinhando-a com promessas de amor e lealdade.

O Homem que perdeu a Palavra tornou-se, nesse dia, um corpo desagregado, tremendo, como se fora de frio, do receio de se comprometer, de emitir juízos, de exprimir opiniões. Viu, nas mais bem intencionadas promessas e valores que anteriormente defendia cair a mais espessa das nódoas. Mas nada pôde fazer, faltava-lhe a Palavra.

Frequentemente observamo-lo em alerta, tenso, de pé atrás do outro caso urja fugir. Para contornar a sua falta, este homem, recorre constantemente a actos levianos e imponderados. É cobarde e dúbio por não defender com garra a Palavra que perdeu.

Lamento.

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