a rainha vermelha
high lace collars
Com um vestido preto, eu nunca me comprometo.
parabéns!
li algures
quando alguém morria perguntavam apenas:
tinha paixão?
quando alguém morre também eu quero saber da qualidade da sua paixão:
se tinha paixão pelas coisas gerais,
água,
música,
pelo talento de algumas palavras para se moverem no caos,
pelo corpo salvo dos seus precipícios com destino à glória,
paixão pela paixão,
tinha?
e então indago de mim se eu próprio tenho paixão,
se posso morrer gregamente,
que paixão?
os grandes animais selvagens extinguem-se na terra,
os grandes poemas desaparecem nas grandes línguas que desaparecem,
homens e mulheres perdem a aura
na usura,
na política,
no comércio,
na indústria,
dedos conexos, há dedos que se inspiram nos objectos à espera,
trémulos objectos entrando e saindo
dos dez tão poucos dedos para tantos
objectos do mundo
(e o que há assim no mundo que responda à pergunta grega,
pode manter-se a paixão com fruta comida ainda viva,
e fazer depois com sal grosso uma canção curtida pelas cicatrizes,
palavra soprada a que forno com que fôlego,
que alguém perguntasse: tinha paixão?
afastem de mim a pimenta-do-reino, o gengibre, o cravo-da-índia,
ponham muito alto a música e que eu dance,
fluido, infindável,
apanhado por toda a luz antiga e moderna,
os cegos, os temperados, que não, que ao menos me encontrasse a paixão
♥ this obscure victorian style
definitivamente....
as pessoas sensíveis
As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas
(...)
Sophia de Mello Breyner Andresen
(Livro Sexto)
Amizade
(latim vulgar amicitas, -atis)
Afeição recíproca entre dois entes.
"No mundo existem três tipos de pessoas: as interessantes, as interessadas e as interesseiras." Frequentemente recordo-me das suas palavras e por vezes, perante um comportamento invulgar de alguém, tendo a inscrevê-la numa dessas classes.
Depois de verificar que em alguns grupos de amigos o elo que os faz combinar jantares de aniversários e passagens de ano dá-se, não pela necessidade de partilha, por carinho e dedicação, mas por outros factores, tenho vindo a pensar bastante acerca das relações sociais.
Muitas vezes, julgam-se pares aqueles que partilharam outrora uma mera circunstância: a escola, o curso ou uma outra coisa qualquer. Porém, face à falta de entrega e de disponibilidade, o companheirismo dá lugar não a uma amizade sincera, mas a uma amizade por afinidade. De costas voltadas, falam de música, discutem cinema ou futebol esses leais desconhecidos
Foram alguns terramotos emocionais, e a imprevisibilidade das suas réplicas, que me fizeram distinguir a amizade do companheirismo superficial. Cedo aprendi que devemos ter consciente a natureza destas relações, fundadas em premissas estáticas, vagas, que não tocam no osso, nem acariciam a pele. Uma superficialidade consciente impede um desgosto perante o alheamento e apatia de outrem acerca de nós.
Num único dia, em vinte e quatro fugazes horas, percebi que não só de pessoas interessantes, interessadas e interesseiras se faz o mundo. Na amizade encontramos as pessoas certas e as incertas. Pelas certas, amizades interessadas e interessantes, travo luta até verter sangue; pelas incertas embainho a arma e deixo-a repousar.