dois murros no estômago em português

Na passada semana assisti a dois documentários nacionais aterradoramente sensíveis e que merecem toda a distinção. “Quem Vai à Guerra”, o novo documentário de Marta Pessoa - que se estreia em 2009 com o brilhante "Lisboa Domiciliária" - e “48” de Susana de Sousa Dias.

Numa sessão especial do Indie Lisboa deu-se a antestreia de “Quem Vai à Guerra”. Antes do início da sessão, num momento de emoções à flor da pele, sobe ao palco Marta Pessoa a quem se juntaram as mulheres que fizeram o filme. Passados minutos, apagam-se as luzes e num extraordinário teatro de guerra trabalhado pelo cenógrafo Rui Francisco, ouvimos os testemunhos das duras batalhas que a guerra raramente mostra.

Passado meio século, a realizadora leva-nos aos treze anos em que milhares de homens foram mobilizados para as ex-colónias a fim de travar uma guerra “mal-explicada”. Este capítulo da história nacional, que teima em se fazer esquecer sendo continuamente falado em surdina, pedia, há muito, este olhar destemido.

Apesar de a guerra ser tradicionalmente um tema masculino (sobretudo quando vivida no Estado Novo onde as mulheres menor espaço para expressão detinham), da tela apenas figuras femininas testemunham esses tempos: o medo, a violência, a saudade, a inconsciência e as sequelas. Vozes de uma guerra que não molestou apenas os combatentes.

O documentário terá estreia comercial a 16 de Junho no Cinema Classic City Alvalade.

Desejo-lhe o sucesso merecido!

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Em criança, por várias vezes os meus pais descreveram-me o ambiente social e político que se vivia no Estado Novo. Falavam-me não só da PIDE, da Guerra do Ultramar, da censura na imprensa e em todas manifestações culturais, mas também das rígidas restrições e opressões sociais que colocaram a população a viver cenários regidos pelo medo. Faltavam-me as vozes, os rostos e os suspiros daqueles que estiveram na linha da frente, batalhando pela mudança.

Susana de Sousa Dias entrou há uns anos nos arquivos do Estado Novo e desde então que se dedica a trabalhar sobre esta documentação em busca da verdade escondida. Em "48", a realizadora desenvolve a narrativa a partir de um conjunto de fotografias de cadastro tiradas a dezasseis prisioneiros políticos, muitas vezes após sessões de tortura. Sobre estes retratos, que se movem hipnoticamente, surgem as vozes, os lamentos e os silêncios daqueles que sobreviveram, às mãos da PIDE, a episódios de extremo sadismo, humilhação e terror.

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Em ambos os casos, não conseguimos sair do cinema não só atormentados, como bem mais conscientes dos abusos avassaladores daquele regime. Acima de tudo, pelo seu conteúdo histórico, “Quem Vai à Guerra” e “48” constituem documentos preciosíssimos, obrigatórios!!


Ao cinema documental português um sincero: Bravo!

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