É delicado o fio que mantém o seu corpo presente aos nossos olhos. A sua extrema magreza, os ombros desnudos na bata do hospital, o emaranhado de cabelo mal arranjado, a pele, os olhos, a ausência do seu perfume. Tudo me coloca à prova na pequena sala dos cuidados intensivos de cardiologia.
Há vinte e oito anos nasci naquele mesmo austero edifício, num qualquer bloco vizinho. Talvez me tenha vindo visitar, chegando pela manhã da vila dos meus verões. Talvez me tenha conhecido nessa mesma tarde, desconhecendo que ali, num qualquer bloco vizinho, anos mais tarde, me iria oferecer uma exigente prova de esforço.
Sei que tudo aquilo que ela é atravessa a complexa rede de tubos, aparelhos e silvos electrónicos. Ela é memória, é a tia a quem devo estar ali.
Entro na sala sustendo uma encorajadora respiração. Não me permito acossar diante do seu hostil vislumbre e tento manter a sua mão firmemente fechada dentro da minha, sem denunciar o meu tiritar ou uma gota de suor. Procuro rapidamente qualquer palavra, não a certa, mas a oportuna. Ela reage e as máquinas comprovam o sobressalto do seu coração. Escapa-me a voz e apercebo-me dos amargos silêncios que interrompem o tremor da minha fala.
E à despedida, depois das heróicas lágrimas sustidas, escapa-me um imprevisto “Até já!” que não consigo resolver. Saio da sala.
Atormenta-me ainda essa expressão.
Minha querida, secaste-me a agaranta, humedeceste-me os olhos, tiveste coragem, eu não tive e não tenho, bem lá podia ter passado hoje para lhe dizer "Até já", mas.. não consigo aquela complexa rede de tubos assusta-me.
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