graça

Não é a primeira vez que o que me perturba num filme não é ele em si, mas antes a impertinência da plateia.

Sem dúvida que Inglourious Bastards possui diálogos fabulosos, negros, sarcásticos e cenas absolutamente hilariantes, mas o curioso é que não era isso que fazia rir compulsivamente dezenas de pessoas que partilhavam comigo a sessão. Riam-se automaticamente a qualquer estímulo, a cada palavrão; riam-se com as cenas mais agressivas e perturbadoras, com as medonhas trucidardes sem escrúpulos e com as repulsivas extracções dos escalpes dos soldados nazis! Não quero dizer que considere desnecessária a violência do filme, acho-a perfeitamente justificada pela brutalidade do tema, mas custa-me ouvir pessoas a rir dos horrores que aquela representa. Ali estava uma mão-cheia de autómatos inconscientes que vêem em Tarantino o génio extravagante, venerável por inserir elementos vibrantes, personagens excêntricas e bandas sonoras atrevidas. Consideram-no um comediante...e dos ocos. Aprecio o seu humor acutilante, que considero pertinente, e acredito que as cenas de violência que concebe (falo particularmente deste filme) não são desinteressadas, levianas, nem próprias da gratuitidade frívola que imperava naquela sala.

Este episódio e aquele que vivi há uns anos no cinema com o Kill Bill I (repleto de gargalhadas igualmente bizarras) levam-me a pensar que Tarantino caiu antes nas graças de um público extraordinariamente perverso, esquisito, desinformado, que graceja maniacamente com actos de crueldade.

Ele, na cena do cinema francês (divinal! a melhor que vi de Tarantino) igualmente incomodado com esta notória falta de sensibilidade, sussurra-me: "Depois lembra-me para falar desta cena com Hitler a rir". Já lá fora faz com esta cena um reparo notável. Hitler assiste no cinema a um filme de propaganda nazi onde se ri de forma perversa da violência contra os soldados aliados, na sala do cinema francês todos riem sadicamente com ele, congratulando o realizador por aquele excelente trabalho (que expõe uma violenta matança levada a cabo por um soldado alemão, um herói de guerra). Perante esta cena, na sala do Monumental paira agora um silêncio sepulcral; pouco riam-se descomedidamente de actos bárbaros semelhantes mas praticados contra nazis. Tarantino poderia estar a “brincar” com o próprio público, alertando-o para o facto de este poder ser de tal forma frívolo e vazio que ri mecanicamente de acontecimentos moralmente condenáveis, sem qualquer tipo de reflexão. Com esta cena ele poderá pretender igualmente chocar esse público estupidamente tendenciosos, alertando-o para o facto de ser capaz de aceitar a crueldade com valentes e orgulhosas gargalhadas quando vista de um lado, considerando-a embaraçosa e constrangedora quando vista do outro lado da barricada. Faz sentido.

No final, saía da sala perplexa com este fenómeno e oiço esta conversa:

- Então gostaste?

- Sim! (um "sim" eufórico) Teve imensa graça!

...Hum?...graça? ... de graciosidade, elegância, encanto? ... de piada, diversão, simpatia, comédia?

Não percebo...

1 comentário:

  1. Parabéns Cristina. Não poderia dizê-lo melhor. Ficamos à espera de nova vaga violenta de Tarantino para confirmar (pode à terceira ser de vez...) esta simples observação de que partilho plenamente.
    Beijo.

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