Vegetarianismo – Ética da Alteridade

Há uns anos tornei-me vegetariana. Não foi uma decisão programa ou planeada, foi antes um processo espontâneo em que fui excluindo, ao longo do tempo, determinados alimentos de forma natural. Desde criança que estranhava a ideia de comer um pedaço de um animal morto e fazia-me confusão olhar para um bife e conseguir identificar os nervos, as fibras. Detestava a textura e o cheiro da carne.

Comecei a ler e a informar-me sobre o vegetarianismo, não só para encontrar uma alimentação equilibrada, evitando carências nutricionais, mas sobretudo como forma de investigar determinados valores e princípios filosóficos. Qual é afinal o estatuto moral dos animais na nossa sociedade que permite aos seres humanos a prática continuada de actos cruéis de dominação e opressão, a infligir sofrimento e decidir a morte de outro ser? Sempre me pareceu bastante lógico que humanos e animais partilhassem dos direitos fundamentais, o direito à vida, à integridade física e à liberdade, mas, na verdade, estes últimos são considerados como meros “bens” susceptíveis de apropriação, exploração, comercialização, e o seu abate, à excepção dos animais que já estejam em vias de extinção, é isento de culpabilidade moral. Não será apenas uma questão de dominação e poder? O conceito de Derrida de carnofalogocentrismo é claro em relação a isto, e exprime a “necessidade, desejo, autorização ou justificativa para levar à morte”.

“«Adoro animais» comentou ela «Tenho um cão e dois gatos e, sabem, dão-se todos extremamente bem.» (…) Fez uma pausa enquanto se servia o chá, pegou numa sanduíche de fiambre, e perguntou-nos que animais de estimação tínhamos.”

Logo no prefácio de “Libertação Animal”, Peter Singer aponta, através de um encontro com uma senhora que pretendia escrever sobre animais, o frequente preconceito especista que distingue os animais passíveis de constituir uma refeição, dos “fofinhos” que devemos “estimar” e ter em casa. Deste modo é bastante frequente assistir a conversas em que as pessoas ficam perturbadas com a existência de indústrias intensivas de criação de cães para alimentação na Ásia.

“Comer gato por lebre”. Porquê gato, porquê lebre? Não faz sentido perpetuar uma discriminação baseada em motivos meramente emocionais, defendendo apenas os animais que nos estão mais próximos.

A ingestão de carne nunca foi uma decisão pela qual cada um de nós tenha passado, mas sim um hábito herdado. Um hábito (uma pressão) social pesadíssimo, raramente questionado de forma consciente e imparcial, tanto na nossa educação como durante toda a nossa vida. É esse hábito que custa quebrar e o prazer que se tira de uma refeição de carne é dado apenas por um vício (eu digo intoxicação) do paladar.

O vegetarianismo é assim mais do que um regime alimentar, é também uma postura ética. Defendo o direito dos animais da mesma forma que defendo os direitos humanos, que condeno o sexismo, o racismo, a homofobia, e que me oponho a qualquer tipo de violência, crueldade e maus-tratos. Para mim faz sentido que a alimentação passe por uma reflexão consciente, que constitua um acto da responsabilidade individual. Não será, como afirma Tom Regan, o direito dos animais uma extensão lógica do reconhecimento dos direitos humanos? Para mim, sim, é apenas uma questão ética, da alteridade e da responsabilidade dela decorrente.

Zé Luis, gostava de conseguir enquadrar a alteridade e a responsabilidade de Lévinas na condição animal, sei que ele não se debruçou nesta questão particularmente, mas parece-me ser bastante fácil de o fazer, será possível? Vá mestre, entretenha-se, tenho um pequenino artigo que pode ajudar ;)





2 comentários:

  1. não consegui ver! fico facilmente chocada.
    que impressão...

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  2. Minha querida Cristina. Muito obrigado pelo convite! Vu aplicar-me então em escrever alguma coisa de interessante sobre o assunto, e assim que o tiver, envio-to.
    Obrigado pelo desafio.
    :)

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