vejo-te dançar


Olhar para trás a meio de um caminho, rever passo a passo o trajecto passado, agora de frente, agora sobre uma nova perspectiva. Tal como um espelho que reproduz as situações que o defrontam, olhar para trás é espreitar o que se desenrola afinal atrás da paisagem, a única que até então conhecia.
Olhar para trás a meio de um caminho e ver todas as minha experiências diluírem-se no tempo, num olhar mais claro, numa visão mais ampla. Uma grande angular que capta com maior nitidez o meu percurso até ali.
E encontro-me assim face a face comigo. A que observa e a que ainda caminha. Deste ponto olho agora a paisagem, é absolutamente diferente. Ali estão os detalhes que não reparei e aqueles em que tropecei. Nesse jogo propositado de vistas descubro-me a cada passo que dei.
Sei agora que percorrer um caminho fixando o horizonte, perseguindo apressadamente o ponto de destino sem nunca olhar para trás, não permite tirar referências que guiem o caminho quando o tornaremos a fazer. Olhar para trás é assim descobrir os elementos subtis que reclamavam um novo ponto de vista para se estabilizarem. Aqueles que insistem em não olhar para trás perder-se-ão entretanto.

Hoje saí do metro com uma música com que antes pouco me identificava, como tantas outras que falam de um amor visto do outro ângulo. Atravessava o parque. Ao começar a descer umas escadas olhei involuntariamente para trás e, num relvado, encontrei com espanto uma figura ondular em gestos suaves ao som da música que eu trazia comigo. Praticava Tai Chi. Fiquei suspensa, pasmada. Assisti em poucos minutos a um dos mais belos bailados que vi até hoje. A figura acompanhava lenta e harmoniosamente cada compasso, como se tivesse coreografado com primor cada sequência de movimentos para dar matéria àquela música.
Tinha apenas olhado para trás, e daquele percurso que julgava findado, surgiu aquela dança, tão delicada como as minhas lembranças de ti. Naquele relvado podia estar eu a dançar a nossa memória.
Hoje, tal como aquela figura danço sozinha, calma e serena. E ao olhar para trás, recordo-nos com aquela mesma serenidade, um doce amor de gestos harmoniosos e firmes que não permitirei esquecer. Recordo uma delicada melodia que só poderia ter sido dançada contigo.
Observo agora daqui. Se não olhasse neste instante para trás perderia toda a nossa história, perderia-te por absoluto.

Agora sei que afinal só se perde um amor quando olhamos para trás e não o vemos dançar.



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