esse fado impetuoso!


Conheço vidas mal vividas, existências sombrias de pessoas que se sentaram a meio do caminho convictas que para viver é necessário um sofrimento tão profundo que lhes corta a respiração.
A falta de poesia das suas vida leva estes sofredores à necessidade da criação de um drama teatral da qual são encenadores, directores de produção, actores e figurinos, técnicos de som e luz, constroem o palco e escolhem o guarda-roupa e adereços. São o seu próprio público. Essas vidas querem acreditar que nada mais pode existir além do seu próprio cenário teatral, daquele seu pequeno pedaço de terra isolado. Não toleram viajar, não consentem o outro. O que lhes é estranho amedronta-as, criticam, julgam. Tornam-se vidas insulares sem uma linha de areia que as ligue às outras.
E correm os dias, as semanas e os anos...tic tac, tic tac.... embrulham-se nesta existência que tem que ser tragicamente severa, rude.
Estas vidas não partilham, não são partilhas. Tornam-se egoístas. Não estendem a mão para sentirem por perto o calor de outra.
A falta de poesia destas vidas obriga-as a escaparem-se para um refúgio distante, longe daquilo que julgam ser o motivo da sua mágoa. Frágeis, correm daquilo que tantas vezes são apenas outras vidas, lutadoras, claras, conscientes. Porque é no confronto com o outro que vemos o nosso próprio eu, os viúvos destas vidas preferem encaracolar-se, fechar os olhos e olhar apenas para dentro, numa exaltação de si. Estas vidas são tão auto-centradas que os seus pequenos males tornam-se vaidosos dramas que se pavoneiam pela sua existência, e crescem, crescem, crescem, vangloriando-se do território que ganham, da alegria e do prazer que afugentam. Estes males tornam-se os únicos seres a habitar aquelas vidas, os mais cruéis de todos os problemas. Elas, ali sentadas, lamentam os seus medos, a sua calamidade e o pânico que vão ganhando a tudo, a todos aqueles que não reconhecem como seguros e que assumem como ofensivos. Sentem uma desesperada incompreensão.
Tal como um alcoólico faz com o álcool, estas vidas amedrontadas procuram amparo naquilo que mais as destrói, alimentam todos os dias a sua extenuante solidão da qual nem se dão conta. Vidas que não sabem para onde olhar, o que ver, pois estão ali pesadas, afundadas num assento duro que defendem ser confortável. Não se apercebem que dali não têm vista, que ali não chega mais o ar.
Conheço vidas assustadoramente desperdiçadas, ermas, vazias. Gostava que essas vidas encontrassem uma inspiração, ninguém o pode fazer por elas. Como diz neste post Maria do Mar, uma menina que consegue ler em cada dia um verso de um singular poema, "a vida inspira-nos". Ela escolheu ser feliz. Eu também acho MM, é tudo uma questão de escolha, não é preciso viver assim.

3 comentários:

  1. Adorei o post. Lindamente escrito. *

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  2. Pimpolho é muito bom!! Eu sei quem se esconde atrás de um pimpolho.... só poderá ser um pimpolho maior! Olha, aproveita então tais sábias palavras e afasta-te sempre de um potencial fado impetuoso!! ehehe! Apesar de eu saber bem que não és dono de uma vida destas ... uffff ;)

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  3. para não variar, escrito com a maior graça e brilho.

    escolhi ser feliz, como referiste e escolho ser para sempre.

    sei que também fizeste essa escolha, que eventualmente terias até mais razões para te encaracolar do que alguns donos dessas vidas.
    mas também tu, escolheste não o fazer, ver dançar quem já não é teu, sorrir para o desespero e transformá-lo em triunfo.

    há quem apenas saiba viver no medo permanente e numa total angústia. há quem se recuse a apertar a mão a quem lha estende porque também se recusa a estendê-la...

    assim sendo, acho que estamos a duas no bom caminho. tentar ser felizes ou pelo menos viver de forma serena, é a escolha acertada.
    *mm.

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